Apesar dos ganhos
significativos da igualdade de gênero nas últimas décadas, o preconceito ainda
reina na área médica. A falta de representação feminina nos estudos
pré-clínicos e em testes clínicos tem colocado as mulheres em maior risco de
adversidades em intervenções médicas. Mas há uma luz no fim do túnel.
Levar em consideração as mulheres – além dos homens - e suas especificidades em estudos científicos
pode parecer óbvio hoje, quando nós temos evidência da suscetibilidade e
severidade em variadas doenças presentes nos dois sexos e as respostas de cada um
aos medicamentos e tratamentos. Mas isso nem sempre foi assim.
Muita
variação
As diferenças entre os sexos ou dimorfismo sexual é uma adaptação
evolucionária chave na maioria das espécies. Em muitos países a expectativa de
vida das mulheres é maior, em média, que a dos homens.
Não sendo surpresa que após milhões de anos de evolução,
diferenças fundamentais existam em muitos aspectos da nossa biologia. As
diferenças entre os sexos têm sido documentada em doença cardiovascular e acidente
vascular cerebral, síndrome da fadiga crônica, asma e diversos tipos de câncer.
As diferenças biológicas incluem variação em
genética e fatores fisiológicos como o encurtamento dos telômeros, herança
mitocondrial, respostas celulares e hormonais ao estresse e função imune, entre
outras coisas. Esses fatores podem contar como uma parte da vantagem feminina
na expectativa de vida
Pesquisas tem encontrado diferenças de gênero em doenças
auto-imunes como artrite reumatoide, lúpus e esclerose múltipla e distúrbios
psicológicos como transtorno bipolar, esquizofrenia, autismo, transtornos alimentares,
déficit de atenção e hiperatividade.
A artrite reumatóide por exemplo, é duas vezes
mais comum em mulheres do que em homens. Um estudo encontrou que enquanto o
risco relativo de esquizofrenia é maior em homens acima de 39, para mulheres
esse risco é maior acima dos 50 anos.
Mas
por quê?
As razões para essas diferenças são várias e complexas – de
origens comportamentais e sociais, como por exemplo, fumar e idealizar a imagem corporal são
coisas diferentes no homem e na mulher – podendo explicar parcialmente as
diferenças em doenças como câncer de pulmão e transtornos alimentares.
As diferenças fisiológicas comuns como contagem
mais baixa de células vermelhas podem estar por trás da recuperação menor das
mulheres após um AVC (acidente vascular cerebral), bem como sua tendência a ter esse evento numa idade mais
avançada.
Diferenças biológicas também existem dentro dos
neurônios dopaminérgicos do cérebro e podem explicar a prevalência variada de
condições neurológicas. Já as diferenças genéticas entre os sexos podem
contribuir para uma maior mortalidade de homens com idades abaixo de vinte anos
em diversas doenças.
Homens e mulheres diferem também na sua
resposta aos tratamentos medicamentosos – com as mulheres apresentando uma
incidência maior de reações adversas, bem como respostas diferentes aos
medicamentos.
As diferenças sexuais na composição do corpo
são atribuídas às ações dos hormônios sexuais, os quais formam as diferenças de
gênero durante a puberdade. O estrogênio, por exemplo, é importante não somente
na distribuição da gordura do corpo, mas também nos padrões do desenvolvimento
ósseo feminino, o qual predispõe as mulheres a um risco maior de osteoporose na
terceira idade.
Será
que realmente importa?
Nas últimas duas décadas, o maior órgão financiador de pesquisas
biomédicas nos Estados Unidos, o The National Institute of Health (NIH),
tem se preocupado com estudos que
envolvem testes tanto para homens quanto para mulheres. No entanto, em muitos
outros países não existe essa preocupação.
Mas esse quadro tenderá a mudar com os recentes avanços na ciência
médica, que têm trazido novos conceitos como a “Medicina de Precisão”, a qual
reconhece que a variabilidade existe não somente entre os sexos, mas entre os
indivíduos.
Assim, o objetivo agora é assegurar que
cada paciente receba tratamento correto no tempo certo, com um mínimo de
efeitos colaterais. As mulheres podem ter sido negligenciadas pela pesquisa
médica por duas décadas, mas o avanço atual da tecnologia obrigatoriamente a
direciona para o benefício dos indivíduos.